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O massacre de Alto Alegre  61 Deus dispôs dissuadir os missionários e livrá-los daquela víbora que nutriam no seio. A hipocrisia de Antônio Correia Lima foi descoberta, e eis como: um dia, padre Celso precisava de trabalhadores, e foi para a aldeia do Coco, a mais vizinha, para ver se podia recrutá-los lá. Chegando à aldeia, sucedeu de encontrar por acaso o dito Antônio Correia, o qual, sob o falso pretexto da caça, como de costume, havia se esquivado de concluir um trabalho para que tinha sido contratado. Com sua costumeira man- sidão e bondade, o padre se queixou da falta da palavra dele, e com boas maneiras o convidou a voltar à colônia para terminar o serviço. A serpente soube manter a própria índole até o último instante. Com atitude humilde e voz submissa, desculpou-se pela falta e disse ao Padre Celso que naquele mesmo dia voltaria à colônia para dar cabo do trabalho iniciado. Em segui- da, pediu a bênção e se recolheu à própria cabana. Lá mudou de aspecto e revelou o seu verdadeiro caráter, de fera. Com poucas, concisas e precisas palavras, ele disse à mulher com quem convivia que, antes do anoitecer, padre Celso seria pasto para os urubus, que ele partiria imediatamente para ficar de tocaia e esperá-lo na volta. Ela, com a desculpa de encontrar traba- lhadores, ficasse na aldeia, se possível até bem tarde, e fosse para a colônia na manhã do dia seguinte. Tal imposição foi feita, por ser costume entre os selvagens que as mulheres sigam sempre os homens. Tendo ouvido as ordens de Antônio, a mulher, apesar de sel- vagem, não conseguia ficar em paz: o segredo lhe pesava enormemente. Ela se sentia impulsionada a salvar a vida do padre Celso... mas com que meios? Opor-se à vontade de Antônio lhe seria impossível. Mas, conforme ela mesma confessou mais tarde, uma voz misteriosa lhe repetia continua- mente aos ouvidos e ao coração: “Salva-o, salva-o.” Para obedecer tanto às instruções de Antônio quanto ao impulso da voz misteriosa, saiu da caba- na e foi encontrar-se com o missionário. Em companhia dele, vê Manuel Justino, que haveria de ser o braço direito de Caboré no terrível massacre, mas que então se comportava como sincero e verdadeiro amigo dos missio- nários. A mulher decidiu revelar o segredo de Antônio a Manuel Justino, certa de que alguma coisa haveria de fazer para salvar a vida do Padre Celso. Manuel não se mostrou admirado ao ouvir a trama, e nada disse ao padre, para não deixá-lo angustiado. Porém, reuniu quatro ou cinco selvagens, e vendo que padre Celso se preparava para retornar, foi até ele e lhe disse que

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