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O massacre de Alto Alegre  51 ajoelham para a oração do Angelus. Em seu rosto, percebe-se o conten- tamento que as pessoas satisfeitas consigo mesmas e em paz com todos sentem e não podem deixar de externar. Mas eis, de repente, um sussurro, uma fala confusa, uma per- gunta, uma resposta evasiva, um encolher de ombros. Uns demonstram admiração, outros temor. A atmosfera fica pesada, o temporal já se aproxi- ma, o relâmpago fuzila. Ouve-se uma voz que grita: – Ah! É Trajano! Ah! É Clementino! Quem eram eles? Trajano e Clementino eram dois selvagens da aldeia do Coco. Não tendo morada na colônia, vinham ao trabalho todos os dias, junto aos demais. Naquele dia, não foram vistos. Tinham estado na cabana do sel- vagem Chico Aleijado, fora dos limites da colônia, e lá se embriagaram de forte aguardente. Bêbados como estavam, entraram na colônia, o primeiro com um grande facão em forma de foice, e o outro com um imenso porre- te. Atacaram a frei Salvatore, mas este deu um salto com agilidade e evitou o golpe mortal, conseguindo salvar-se com a ajuda de alguns cristãos e sel- vagens. Subjugados pelo maior número de pessoas, Trajano e Clementino abalaram em precipitada carreira. Na fuga, encontraram o padre Celso, que também voltava dos trabalhos, e também o assaltaram. Como aquele missionário escapou da morte é ainda um mistério. Padre Celso disse que seu único protetor foi o Anjo da Guarda. Mas que motivo poderiam ter esses dois selvagens para atentar contra a vida de seus benfeitores? Até hoje não se sabe. Agredir dois mis- sionários que sempre lhes falavam de Deus com toda doçura e bondade, e que tanto os haviam beneficiado, é inexplicável mesmo entre os selva- gens. Falou-se de alguns vendedores e comerciantes de bebidas alcoólicas, os quais, sentindo-se à beira da ruína em seus negócios, por causa da tem- perança e mudança de hábitos introduzidos pelos missionários no meio dos selvagens, antes pagaram e depois embriagaram os dois selvagens, para que cometessem o horrendo delito, de forma que, mortos os missionários, os selvagens retomassem seus hábitos inveterados, e os negócios deles vol- tassem a florescer. Não faltou quem levantasse a voz estigmatizando tais boatos como cruel calúnia, como erro lamentável de apreciação quanto ao caráter manso e justo daqueles vendedores. Ignora-se se foi assim. Nunca

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