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O massacre de Alto Alegre  41 os selvagens, começando por tomar toda a tribo dos canelas como de sua propriedade privada, forçando-os a preparar terrenos e fazer roças, obri- gando-os a cultivá-las para que ele se apropriasse da produção, deixando os pobres selvagens a passar fome. Em sua generalidade, os diretores dos selvagens não eram homens de coração, mas gente sem temor de Deus e sem consciência: professavam o cristianismo sem, no entanto, se disporem a conformar-se minimamente a seus preceitos. Levavam uma vida tranquilamente animalesca, aproveitan- do-se do suor dos pobres selvagens, e sempre indiferentes aos seus sofrimen- tos, suas privações e sua miséria. Pelo mau exemplo de sua perversidade, era impossível deixarem aos selvagens um bom conceito sobre o cristianismo e os cristãos, em geral. A coisa vinha de longo tempo, e os selvagens não tinham mais como suportar a terrível sujeição imposta pelo senhor Cunha. Em 1859, toda a tribo dos canelas se insurgiu em protesto contra aquele jugo, que eles consideravam pior que a escravidão. De temperamento irritabilíssimo, ansiosos por romper as correntes que os prendiam e faziam de- les outras tantas bestas de carga, eles se lançaram contra a habitação do diretor. Este, durante o assalto, conseguiu fugir para Barra do Corda, mas seu cunhado João Alves foi vitimado pelos selvagens, cuja vingança não parou por aí: eles puseram fogo à casa, destruíram toda a plantação e se embrenharam na mata. Por alguns dias, Barra do Corda esteve em grande alarme, até que, chegando o major Antônio de Sousa Carvalho e mais de cem homens, perseguiram os fugitivos no interior da mata. Alguns foram presos, con- duzidos a Barra e postos na cadeia. Todos, porém, escaparam enquanto se montava o processo. Junto com os selvagens também foram processados o coronel Frederico Augusto de Sousa e Inácio José de Meneses, mas esses terminaram absolvidos. No Brasil, os senhores e politiqueiros que se põem do lado do Governo jamais são condenados: podem cometer e mandar cometer os mais graves crimes, que sempre ficam em liberdade. Voltada a calma, o Governo nomeou outros diretores para a co- lônia. Mas, sabedores da sublevação contra o senhor Cunha, aqueles dire- tores acharam melhor abandonar os selvagens à própria sorte, quase nunca interferindo nos negócios deles: o cargo que aceitavam era apenas pelo título, que trazia privilégios, e pelo que pagava, e eles não se preocupavam com a civilização dos selvagens.

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