BCCCAP00000000000000000001766

O massacre de Alto Alegre  143 Naquele momento, outros bandos de selvagens estavam toman- do de assalto a casa dos religiosos e a morada vizinha de dona Carlota, a primeira que se dedicara ao serviço das pequenas selvagens antes da chega- da das freiras. Pareciam embriagados, endemoninhados. Instigados pelos seus caciques, subiam furibundos aqueles muros, que já estavam crivados de bala, não resistiriam por mais tempo! Alguns já haviam quebrado os portões que protegiam as janelas, estavam para entrar. Aparece o padre Vit- tore, que estava sozinho na casa com o serviçal Pedro de Paulo. Uma bala o atinge num braço. Ele não recua e, com voz calma e amiga, fala àquelas feras como Cristo aos soldados no horto: “Que quereis? Eu sei que não vos fiz nenhum mal, que sempre vos amei. Dos meus, ninguém mais está aqui. Quereis matar este pobre frade? Eu estou pronto. Não façais mais vítimas.” É literalmente crivado de balas. Cai no chão. Expirou no meio ao próprio sangue. A mesma sorte coube a Pedro de Paulo e a dona Carlota. Na grande confusão, o padre Rinaldo, frei Salvatore e quatro irmãs tiveram tempo de escapar e esconder-se num lugar considerado se- guro. A sede de sangue não se sacia nunca. Os selvagens, cheios de ódio e fúria pela longa procura, e já cobertos muitas vezes de sangue, encontram uma porta e a arrombam: estão face a face com a agoniada presa. Aqueles cães raivosos se atiram contra as vítimas, com fuzis, punhais, facões e va- rapaus, deixam-nas mortas, depois arrastam-nas e as jogam desordenada- mente numa cisterna aberta dentro do instituto. Pouparam do morticínio Guilhermina Moreira Perpétua 10 , Be- nedita Mourão, Petronila, Tonica Celestino, Petronília Ribeiro e Úrsula Ribeiro. Estas foram feitas prisioneiras e levadas à força para as aldeias dos 10 Sobre essa jovem senhora, foram escritos romances fantasiosos. Ainda hoje não fal- tam pessoas prontas a jurar que está viva. Há quem diga ter achado a sua dolorosa história escrita em casca de árvores. Há quem assegure ter achado, nas matas, inscri- ções que dizem: “Quem ajudará a miserável?” Outros dizem ter visto uma senhora descalça, acompanhada de dois meninos. Mas quando se quer saber a verdade ou se vai procurar o primeiro elo da cadeia, ou a origem desses rumores, nada se encontra, tudo termina em um “dizem... ouvi dizer”.    No mês passado, passou pela Barra do Corda um inspetor do Telégrafo. Este visi- tou a nossa casa, e vendo os retratos das vítimas, disse que, durante sua jornada nas matas, tinha visto uma senhora que correspondia à descrição da senhora Perpétua e que lhe tinham sido oferecido quinhentos mil réis por seu resgate. Perguntado quem

RkJQdWJsaXNoZXIy NDA3MTIz