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O massacre de Alto Alegre 123 Mas é necessário continuar, porque este capítulo é que nos dará a chave para conhecer o verdadeiro motivo do massacre de Alto Alegre, e que, resguardado sempre o juízo da Santa Igreja, provará que os padres capuchinhos massacrados no dia 13 de março, as irmãs, os órfãos e todos os cristãos o foram pela Fé, e, perante Deus, são verdadeiros mártires. Por isso é necessário conhecer a religião dos selvagens e o motivo do massacre. O selvagem admite dois deuses principais; o primeiro é o autor de todo bem, o outro de todo o mal. Esses deuses têm as suas próprias gerações e progênies. Entre os selvagens não se encontram ídolos. A sua vida errante não permite a eles levantar templos. Em suas migrações e em tempo de guerra, não poderiam nem levá-los consigo, nem defendê-los dos insultos das tribos inimigas: eis por que os dispensaram. Não possuem nem lugares particulares para as suas oblações e sacrifícios. Senhores das selvas, toda a selva pertence a eles e a seus deuses, onde quer que o sa- cerdote, verdadeiro intérprete dos desígnios de Deus, possa reunir a sua tribo, invocar o Senhor das bênçãos e das vinganças, do vício e da virtude. A tribo assiste, tomada por um misticismo santo e diabólico ao mesmo tempo, cantos e danças acompanham seus ritos, que terminam sempre em horrorosas orgias. Quando, na Barra do Corda, as mulheres dos selvagens acompanhavam no tribunal os implicados no massacre, elas entoavam em voz alta cantos de uma harmonia melancólica e quase fúnebre. Era a invo- cação pela liberdade deles. Para os selvagens, Marreba é o gênio do bem e do bom, é o Deus cheio de beleza, é o doador de toda graça; Bopé é o gênio do mal, é o ini- migo do descanso, é o Deus da peste e da fome. Marreba habita no mais alto dos céus, é a quintessência da beatitude, é o senhor da salvação e da abundância, é o rei das grandes caçadas e pescarias, é ele que faz florescer as árvores e se compadece dos que sofrem. Marreba descende de uma virgem e não tem pai, mas ele é pai de todo o mundo, é pai de bondade, de doçu- ra e de amor: mas ele vive tão no alto e está tão preocupado e absorvido, que não pode ouvir as orações dos homens, e, portanto, é obrigatório que o sacerdote da tribo grite quando deseja falar com Marreba, faça muito barulho e estrépito para ser ouvido. Marreba tem também um filho. As ocupações deste não são tantas: ele ouve mais facilmente, e logo escuta quando é chamado, mesmo pelos mais inferiores das tribos, mas esses têm
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