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O massacre de Alto Alegre  115 entender que exerceria contra ele a sua autoridade, se o pastor continuasse com aquele comportamento. Mas deixemos por ora o tenente-coronel, que marcha para Alto Alegre. Coloquemos uma pedra sepulcral e de perdão sobre aqueles pro- testantes, e procuremos conhecer o inimigo que o tenente-coronel iria en- contrar. O selvagem é antes de tudo um forte. 7 Nele não se encontra o complexo de causas que geram raquíticos e neurastênicos, mas lhe falta aquela plástica e esbelta estatura que se admiram nas organizações atléticas. A sua fala é lenta, seu gesto é moroso, seu andar é um bamboleio. A cadência de suas canções é lânguida. Ele é sempre propenso à imobili- dade, à aquietação. Mas assim ele o é para um observador superficial. Na verdade, é uma ilusão toda a sua aparência de cansaço e preguiça. Nada é mais surpreendente que vê-lo desaparecer do nada. A um fechar de olhos, sucedem-se, num segundo, completas transformações em sua organização lassa e desconjuntada. O mais leve incidente basta para abalar suas energias adormecidas. O homem se transfigura: levanta a cabeça sobre os ombros largos, seus olhos cintilam, seu vulto se ilumina, parece sacudido por uma descarga elétrica. Todos os efeitos e consequências do relaxamento habitual dos órgãos cessam como por encanto, e aquela pessoa que pouco antes era uma figura vulgar de simplório e bronco, inesperadamente assume-se num vulto dominador, é um titã potente. Ele ganha o aspecto de uma serpente, a agilidade de um réptil. Nele se admira o rei das selvas, o dominador das feras. Não há obstáculo que o detenha em seu ímpeto, não há penhasco, grota ou precipício que o impeça, pedras empilhadas, montes de árvores cortadas, balseiros e brejos, moitas e matagais, matas de espinhos, nada o abate, e ele corre ao encontro da morte. Assoberbam-se então as forças todas de sua robusta compleição, a pé ou a cavalo ele supera todos os obs- táculos, para manter-se fiel a seu cacique. Tal era o inimigo que se devia expulsar de Alto Alegre. 7 Antes de tudo um forte...: o leitor brasileiro percebe, de imediato, neste trecho, a “colagem” da conhecida expressão de Euclides da Cunha sobre o sertanejo. O Autor citará Euclides mais adiante. (N. T.)