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O massacre de Alto Alegre 109 forte e repentino obriga todos a se abrigarem. As árvores se curvam, os galhos balançam agitando-se, e as folhas caem como num outono tardio. As casas tremem, ao mesmo tempo em que retumba o trovão, e os relâm- pagos se sucedem com tal rapidez que o céu parece em fogo. A chuva cai aos cântaros, o céu se reabre, e novamente está sereno, novamente surgem as estrelas, a paz parece que voltou. De repente, ouve-se um trotear de cavalos. Era a expedição que voltava, estropiada, toda enlameada, molhada pela chuva, desolada pela confirmação que vinha trazer do massacre em todas as suas fases mais hor- ríveis e cruéis, em toda a sua tormentosa realidade. Não se ouve uma voz, ninguém fala, o silêncio é o meio mais eloquente para dar uma ideia da imensidade do desastre. Os acontecimentos e fatos extraordinários que, numa só pulsa- ção, fazem vibrar todos os sentimentos do homem, rapidamente tomam posse também do espírito e, no mesmo ato em que se desenvolvem, al- cançam as mais incomuns e extraordinárias proporções. Mente e fantasia trabalham e supõem mil coisas que na realidade não existem. E se assim é, o leitor por si mesmo imagine qual terá sido a ideia e a impressão que o re- torno da primeira expedição criou no espírito público da Barra do Corda. Todos os cidadãos da Barra do Corda, em uma ou outra oca- sião, haviam estado em Alto Alegre. Artífices e trabalhadores tinham lá emprestado sua mão de obra, e não havia quem não conhecesse o lugar. A Missão de Alto Alegre contava poucos anos de existência, fundada que foi em 1896, pelo m. reverendo padre Carlo, então superior regular da Mis- são. Os barra-cordenses eram testemunhas dos esforços sobre-humanos dos padres capuchinhos na fundação da Colônia. Lá tudo precisava ser criado, organizado, pois era necessário substituir a indolência e a preguiça pela atividade e pelo trabalho. O selvagem, habituado a se sustentar pela caça e pesca, trabalhava apenas para suprir às suas necessidades de cada dia. Portanto, no princípio foi necessário que os missionários não somente se ocupassem da pregação e das coisas atinentes ao seu divino ministério, mas eles mesmos tiveram que preparar os terrenos para semear e colher a safra que depois serviria ao sustento seu e dos pobres. Filho da selva, o selvagem não conhece moradia estável. Ele é o rei, o senhor absoluto de todas aquelas imensas extensões e a sombra de suas florestas lhe serve de
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